Município: Suzano/SP
Tema: 02 - Atenção Básica (AB)
Autor(es)
Elalma dos Santos Barbosa
Angela Maria Nascimento de Sousa
Janaina Rosa dos Santos
Adriane Vasti Gonçalves Negrão
Carolina Jacob da Costa Lima
Apresentação/
Introdução:
Apresentação/Introdução:
Há 10 anos, a partir da Portaria 122/2011/MS, foi implantada a equipe do Consultório na Rua em Suzano, com o compromisso de ampliar o cuidado em saúde para pessoas em situação de rua (PSR). Falar de PSR é falar em invisibilidade, discriminação, moralismo, mesmo em serviços públicos. Brasil, país desigual, cujas concepções de pobreza tem caráter histórico: imaginário da população colonial composta por parcela “problemática e preguiçosa” lusitana (pobres), logo, conformada de sua “inferioridade”; escravidão e exploração colonial; sistema monocultor latifundiário; falta de políticas de inclusão de escravos libertos; incentivo à vinda de imigrantes sem planejamento, modernização no país com fragmentação social, desenvolvimento urbano desordenado, saída do campo e favelização. Pessoas pobres acabam tomadas como causas dos problemas do país, criminalizadas, culpabilizadas por sua condição, pela “capacidade” laborativa – no capitalismo, liberalismo, neoliberalismo. Sob esta perspectiva, ações governamentais voltadas a pobreza são inexistentes. Outras falácias sobre a pobreza a relacionavam com clima, mestiçagem, doenças, desorganização social, falta de mobilização popular. Os pobres ficavam à mercê de caridades até a Constituição de 1988. Estes reflexos estão no imaginário social sobre a pobreza. Aporofobia, palavra nova, aponta que velhos conceitos se mantêm: significa “repúdio, aversão ou desprezo pelos pobres ou desfavorecidos”. É neste terreno árido que se dá o trabalho da eCR.
Objetivos
O objetivo do trabalho da eCR é produção de cidadania, de cuidado, para uma população invisibilizada. É uma equipe de saúde integral, que se dá também nos territórios, construindo vínculos e construindo processos de cuidados a partir da rua, mas não só nesta. Também há que se considerar outros aspectos que atravessam as existências das pessoas em situação de rua, como o preconceito com relação a raça, cor, origem, gênero, sexualidade, deficiência, dentre outras, com pouquíssimo acesso a direitos. A eCR trabalha na tentativa de diminuição dessas barreiras no âmbito da saúde, baseada na compreensão que a pobreza é um conjunto de privações que vai além da econômica.
Metodologia
A eCR configura-se como modalidade 1 e é composta por 1 coordenadora, 1 psicóloga, 1 assistente social, 1 enfermeira e 1 técnica de enfermagem e conta com uma sede administrativa e 1 van para o trabalho nos diversos espaços públicos. O fazer da equipe se compõe de olhares interdisciplinares; os papéis por vezes se “misturam”, no sentido de que a prioridade da ação é abarcar as necessidades daquela pessoa, é o acolhimento, e há um consenso quanto a oferta de cuidado integral, transcendendo questões estritas da formação profissional. São realizadas abordagens de segunda à sexta-feira, no intuito de promover orientações, atividades coletivas, atendimentos possíveis no próprio local ou facilitação de acesso aos serviços de saúde da rede municipal e outros direitos. Há agenda de ações diárias, semanais e mensais. Semanalmente, há visita em pontos de atenção à PSR, como acolhimentos institucionais para adultos e banheiro vicentino, realização de atividades esportivas e culturais (incluindo passeios dentro e fora do município). Mensalmente, é realizada festa para os aniversariantes. Há ações entre serviços da saúde e intersetoriais, principalmente com equipes da Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social. A equipe é produtora de cidadania para uma população invisibilizada, pois volta-se ao cuidado integral em saúde, construindo vínculos e processos de cuidado nos territórios e a partir das ruas, mas não somente nestas.
Resultados
Ao longo dos últimos anos, políticas sociais foram devastadas pelos governos federais, com implicação direta na perda de garantia de direitos. Então, é difícil dizer de um trabalho que consiga grande impacto na sociedade, embora a eCR tenha casos emblemáticos de reinserção social, na história de pessoas ou mesmo nas pequenas mudanças para melhoria na qualidade de vida das PSR, como um sopro de dignidade. Deste percurso, trazemos algumas vivências e aprendizagens entre os mais de 12 mil atendimentos realizados somente entre os anos de 2016 e 2023: Há beleza em ouvir histórias de vida das pessoas; todas elas têm muito a dizer; Às vezes, há discriminação com a eCR, julgando o trabalho como inferior; Há momentos da reflexão do público em geral em relação às PSR ao verem que há todo um trabalho de cuidado e garantia de direitos com esta população; No meio de embates, alguns atendimentos se perdem. O mais difícil no trabalho é fazer valer as políticas públicas; Ações em parcerias tem maior potência. Um exemplo é a implantação de implanon em mulheres em situação de rua como método contraceptivo de baixo risco realizado a partir de 2023 com a Rede Cegonha; Falas educativas sobre direitos é nosso dever do lugar de profissionais que trabalham pela dignidade das PSR;É necessário um movimento macro para dar visibilidade aos problemas enfrentados diante da pobreza; Há pouco espaço de reinvindicação para as PSR; A condição de miséria é produto da máquina social em que estamos inseridos.
Conclusões
Vivemos uma mudança pessoal ao nos depararmos com os nossos próprios preconceitos e esta mudança é para a vida, de tal modo que há grande identificação das profissionais da eCR com as PSR. São muitas as expressões de discriminações do público em geral e, na vivência com PSR, com os vínculos que se formam, é impossível não se mobilizar. Além disso, “viver na pele” discriminação faz a equipe não querer ver o outro em igual situação. O discurso discriminatório pode vir da população em geral ou vir de serviços públicos e se apresenta de muitas formas. Pode ser escancarada como “são vocês que tem que levar ele daqui” (se referindo a um equivocado papel da eCR de “retirar o que incomoda de perto”, objetificando os corpos das PSR) ou em negativa de atendimento com a sutil justificativa de que “ele está adaptado à sua realidade”. Como se adaptar a precariedade de recursos? Como se adaptar a urgência da fome? Como se adaptar a dor e a exclusão? O papel da eCR às vezes é fragilizado quando há a pouca receptividade de PSR nos serviços. Devemos nos questionar sobre nossas ações e concepções: Quais nossos preconceitos? Quais julgamentos fazemos? Temos crenças estigmatizadas? Provavelmente sim.
Palavras-chave
eCR, direitos, acesso, cuidado,reflexão